Monday, 19 November 2007

Somos Uma Surpresa Para Nós Próprios...

(...)"Como serão em privado as pessoas que conhecemos? Quanta surpresa se o soubéssemos. Porque nós, instintivamente, tendemos a julgá-las idênticas dentro e fora de si. Mas o que somos por fora é o que aceitamos que o seja e é o que os outros estabeleceram. Tal fanfarrão na praça pública pode ser um chilro piegas quando lá não está ou um medricas quando a coisa é a sério?. Ou inversamente. O que aceita para si a imagem exterior de um mole, de um tíbio, de um encolhido de comportamento - no interior de si, e quando for caso disso, pode ser um obstinado de dente rilhado. Há um estilo de se ser que se adopta por convenção generalizada, orientação de uma época, obrigação protocolar no modo de nos manifestarmos.

(...) As regras de comportamento em grandezas chegam só à porta da rua ou ao menos da do quarto ou seguramente à da casa de banho. E daí para dentro, vale tudo, ou seja a regra somos nós. E é então que sabemos quem somos ou quem é aquele que consentimos que seja ou em que medida respeitamos em nós o que respeitamos nos outros. Mas nem é preciso talvez entrarmos na nossa intimidade. Quanta farófia se não desfaz em caca quando entra a polícia? Como se aguentaria ela, frente a um pelotão de fuzilamento? Mas o mesmo tipo revelado em fraqueza e enrolado de timidez poderia revelar-se em coragem quando a coisa fosse a doer. Tudo é tão casual. Somos tanto a invenção de nós em cada momento. Tudo é tão em nós uma fortuita conjugação de astros. Somos tão surpresa para nós próprios. Para a coragem ou o amor ou a verdade ou mesmo a inteligência. Ou o simples estar vivo".(...)

Vergílio Ferreira, "Pensar".

2 comments:

Jaime said...

Estar vivo é a suprema contradição, reconhecer em nós essa dualidade, essa capacidade de ser, estar, agir de variadas formas (às vezes até ao mesmo tempo) contraditórias, é ser humano, nem bom, nem mau, humano, demasiadamente humano, mas sempre vivo. Eu acrescento ao Vergilio dois conceitos indispensáveis: intenção e responsabilidade - eles fazem de nós o que somos, como estamos e como devemos agir.

Beijos

Marlene said...

Claro. Somos seres humanos, seres dotados de uma vontade, uma vontade autónoma, o que nos faz agir. Mas, sabemos que não podemos agir sem ter em conta as consequências (por muitas vezes que o façamos). Por isso, somos seres responsáveis.Responsável, aqui como,seres humanos, racionais, morais, que estabelecem os seus próprios limites. O que nos diz como devemos agir, ou deveríamos agir.



Beijos. Fica Bem.